quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

ESCRAVIDÃO: Uma cicatriz no Brasil.



Prefácio:

O presente texto que se segue abaixo não é uma totalidade do livro. Queria eu poder ser especialista em criticar uma obra fantástica como esta que nosso autor: Laurentino Gomes, escreveu recentemente. Para nossa felicidade, esta é uma, da trilogia que retratará sobre o tema: Escravidão. Muito bem escrito e documentado, o livro, esclarece mitos e fantasias. Para mim, é uma releitura de toda uma Historiografia sobre o assunto. Valeu a pena cada página lida.








GOMES, Laurentino. Escravidão Vol. I. Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Rio de Janeiro. Ed. Globo S.A. 2019.



Caio Salvador*



Escravidão Vol. I é um livro escrito pelo jornalista e escritor Laurentino Gomes. Resultado de seis anos de pesquisas e observações, este primeiro volume cobre de maneira clara, objetiva e didática, como se deu o início de todo o processo da captura de humanos para serem escravos durante toda a vida. Esta é uma história de dor e sofrimento cujos traços ainda são visíveis em muitos locais visitados pelo autor como Luanda, em Angola; Ajudá, no Benim; Cidade Velha, em Cabo Verde; Liverpool na Inglaterra; e o cais do Valongo, no Rio de Janeiro.

Em relação à organização e estrutura do livro: trata do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Páginas de ótima qualidade, gravuras de pintores famosos como Jean Baptiste Debret, Victor Meirelles, Johann Moritz Rugendas. Laurentino utiliza diversos autores especialistas na área da História como o inglês Charles Boxer, o norte-americano Paul E. Lovejoy, os brasileiros Alberto da Costa e Silva (responsável pelas revisões e anotações), João José Reis, Gilberto Freyre, Evaldo Cabral de Mello, Luiz Felipe de Alencastro, Jorge Caldeira, Arthur Ramos, Manolo Florentino, Mariana Cândido, Luiz Mott, entre tantos outros especialistas no estudo da escravidão.

Não me prolongarei fazendo críticas a cada capítulo, entretanto, friso, que tanto acadêmico da área das Ciências Humanas e Sociais e um leigo que odeia a História como disciplina deparará com uma escrita simples e acessível para entender um pouco mais desse assunto controverso. Refaz leituras de alguns personagens famosos que entraram para História de uma maneira um tanto controversa, como “Zumbi dos Palmares”, Domingos Jorge Velho (um dos primeiros Bandeirantes a incursionar pelos sertões do Brasil desconhecido), “Jinga” ou Ana de Sousa, a rainha Catarina de Bragança, Salvador de Sá, Garcia D’Ávila Pereira de Aragão, Maurício de Nassau.

Portanto, gostei e recomendo para quem quiser ter o deleite de uma boa leitura e esclarecedora sobre o assunto. Tenho a plena certeza de que irá dirimir alguns mitos sobre o tema em questão.


quinta-feira, 22 de março de 2018

Observações a respeito do livro: O voo da Vespa. Do autor Ken Follet.

Nada melhor nesta vida do que voltar para o lugar que nós mais gostamos, não é verdade? Sendo assim, decidi voltar a escrever neste blog algumas observações a respeito de livros que li e que ando lendo atualmente. A seguir deixarei aqui a minha impressão de um livro que retrata a 2º Guerra Mundial de uma perspectiva um pouco diferente: o lado dos países que estava "neutros" na guerra. O nome do livro é O voo da Vespa. Mas antes, farei um breve histórico do autor.


Kenneth Martin Follett, nasceu em Cardiff em 5 de Junho de 1949. É um escritor britânico nascido no País de Gales, é autor de thrillers e romances históricos. Follett vendeu mais de 100 milhões de cópias de seus trabalhos. Quatro de seus livros alcançaram número um no ranking de best-sellers do New York Times: Triângulo (1979), A Chave de Rebeca (1980), O Vale dos 5 Leões (1986) e Mundo Sem Fim (2007). É formado em Filosofia pela University College, de Londres, começou sua carreira como jornalista, primeiro no South Wales Echo e, depois, no Evening Standard de Londres. Logo em seguida passou a escrever pequenos contos nos finais de semana, e, encorajado por amigos e colegas de profissão que admiravam seus escritos, passou a escrever romances.

Seu primeiro Best Seller foi O Buraco da Agulha (Eye of the Needle), vencedor do Edgard Award como melhor romance de 1978. Encorajado pela excelente recepção, escreveu nos anos seguintes uma sequência de sucessos como O Triângulo, A chave de Rebeca, Na Toca do Leão, O Homem de São Petesburgo, Uma Fortuna Perigosa, O Voo da Águia, O Voo da Vespa e O Terceiro Gêmeo, rapidamente criando um público fiel e entusiasmado. O tema primordial de seus livros é a ação de espionagem e de guerra, com ritmo rápido e abundância de situações-clímax, que tende a prender até mesmo os leitores mais casuais. Seus livros regularmente dão origem a séries televisivas e filmes, caso de O Buraco da Agulha e A Chave de Rebeca.

Em 1989 lança o seu livro de maior sucesso, Os Pilares da Terra (The Pillars of the Earth) que foge a regra dos seus temas usuais, por se tratar de um romance histórico passado na Idade Média europeia; ironicamente o livro não foi um grande sucesso na altura do seu lançamento, apenas ganhando popularidade ao longo da década de 1990, quando entrava regularmente nos mais diversos círculos e clubes de leitura graças à propaganda "boca-a-boca". A obra ganhou uma sequencia em 2007: Mundo Sem Fim (World Without End). O espólio de Ken Follett está armazenado numa coleção exposta na Saginaw Valley University, nos Estados Unidos e inclui notas, esboços, manuscritos e correspondência. Follett é um grande apreciador de Shakespeare e um músico amador, é casado com Barbara Follett e tem dois filhos, vive atualmente na Inglaterra.




Foto: Ken Follet



Sobre o livro:

Freya é o nome da deusa nórdica do Amor. Também é o codinome da mais recente invenção nazista, de acordo com uma mensagem interceptada pelas forças aliadas. Eram três antenas localizadas em Sand, na Dinamarca que interceptavam mensagens dos bombardeiros Aliados. É graças a ela que os alemães estão conseguindo abater os bombardeiros ingleses a uma velocidade tão alarmante. Hermia Mount, uma analista do MI6, é recrutada para ajudar a descobrir qual é essa nova arma. Tendo morado a vida inteira na Dinamarca, ela possui contatos valiosos que poderão auxiliá-la em sua missão. Do outro lado do mar do Norte, numa ilha dinamarquesa ocupada pelos alemães, o estudante Harald Olufsen descobre uma instalação estranha dentro da base militar nazista. Ele não sabe o que é, mas não se parece com nada que já tenha visto, e ele precisa contar para alguém. Em Copenhague, o detetive Peter Flemming colabora com os alemães para desvendar quem está repassando informações de dentro do país nórdico para os aliados britânicos. Numa Europa praticamente dominada pela Alemanha, a vida dessas três pessoas se entrelaça de forma irreversível, e quando um decrépito avião bimotor se transforma no único meio de fazer a verdade chegar até as forças aliadas, o destino delas poderá mudar o rumo da guerra – e da história. Nosso autor em questão estudou muitas linguagens de guerra, de aviação, de táticas militares e inclusive dinamarquês, para deixar condizente com a realidade daquele tempo.  
Ken, soube transformar muito bem a trama para que os leitores e inclusive eu, ficássemos vidrados na leitura a cada página virada. Vale muito ter um livro desse em nossa estante.

Lançamento: 01/06/2017
Título original: Hornet flight
Tradução: Haroldo Netto
Formato: 16 x 23 cm
Número de Páginas: 416
Peso: 0.56 kg
Acabamento: brochura
ISBN: 9788580417098
EAN:
9788580417098


Bibliografia:


FOLLET, Ken. O Voo da Vespa. São Paulo, Editora Arqueiro. 2017.

www.editoraarqueiro.com.br

www.ken-follet.com

www.wikipedia.com



segunda-feira, 4 de abril de 2016

"The GodFather" (1972)





"THE GODFATHER" (1972).


Diretor: Francis Ford Coppola.
Produtora: Paramount Pictures.
Duração: 2h e 55 min.










Nova York, 1946.

Essa cidade vive, desde o Crack da Bolsa de Valores em 1929, a maior disputa de território (bairros), hotéis, cassinos, prostituição e mais futuramente, drogas, jamais visto. Liderados pelos chefes das "Famílias", eles se refugiam na influência que tem sob os políticos, juízes e chefes de polícia da cidade, para que o comércio ilegal não parasse de lhes dar o lucro, e assim poderem manter seu status social elevado.

Coppola soube muito bem retratar como era as relações de poder entre os chefes das famílias que comandavam áreas como o Brooklyn, Queens, Long Island, Manhattan, Bronx, que eram divididas e controladas pelos cinco principais líderes das famílias.
A estética fotográfica do filme é comandada por Gordon Willis, já apelidado como "príncipe das sombras" pelo fato de filmar em tons escuros bem no estilo "Noir". Interessante também, que no segundo filme (THE GODFATHER II) Willis, criou um filtro de filmagem de cor âmbar para demonstrar o passado do jovem Vito quando chegou em Nova York.

                                           
                             "Don" Vito Andolini Corleone. Interpretado pelo ator Marlon Brando.
 
 
Vito, é o patriarca da família Corleone que comanda os negócios da família. Segue os padrões à moda antiga. Possui conselheiro (Consiglieri) que é Tom Hagen, seu filho adotivo. E assim, decidi os rumos das negociações de quem deve ou não morrer, ou sair do clã.
 
O que eu mais gostei do filme além da música (comandada por Nino Rota), figurino, fotografia, foi numa das cenas finais, onde Michael Corleone trama o assassinato de seus inimigos e traidores. Mas, Coppola faz com que durante a encenação de um batizado, onde Michael está presente, e ao ritmo do ritual católico, as mortes vão acontecendo. É uma montagem de cenas que eu gostei bastante! Me lembra muito quando o Imperador Augusto assassina os inimigos de seu tio: o ex-imperador César, morto pelos senadores que o traiu.
A palavra "máfia" (vem do árabe refúgio) não aparece no filme. Parece um detalhe estúpido, mas há diferença. Máfia recorre para o oculto. O líder é geralmente perseguido e vive às escondidas. Já no esquema das "Famílias" eles são figurões da sociedade e toda notícia que gira em torno deles é mera especulação. Don Corleone trata seus inimigos com respeito, trata de homem para homem, sempre aberto ao diálogo.  Ele é beneficiado pelas bebidas, pelos cassinos, pelos hotéis. E no filme, ele é sempre contra as drogas porque sabe que no futuro iriam causar estrago em todas as famílias, literalmente.
 
 
 
PORTADA FINAL:
 
Numa das cenas finais, Kay (esposa de Michael) sai do escritório para buscar uma bebidas para ambos e é nessa hora que chegam três amigos de seu marido e um deles fecha a porta, fazendo com que a sua família, sua esposa, seu filho estão em segundo plano. Ele agora assumiu os negócios do seu falecido pai e que está pronto para encarar seus novos inimigos.
 
 



segunda-feira, 11 de maio de 2015


Kafka  e as suas “Metamorfoses”.




No  seu livro, “A Metamorfose” Franz Kafka expõe o que seria o seu “eu” em relação a sua vida real. Neste best seller, nosso autor trabalha várias ideias como o ódio, o desprezo, o rancor, o autoritarismo paternal, o incesto, (forte influência freudiana no livro) e com todos esses ingredientes faz com que nós sinta-nos um pouco dessa “exclusão” que Gregor Samsa passa, justamente com a sua família. À primeira vista,  Samsa é um rapaz comprometido com o trabalho, entretanto, numa manhã, ele se dá conta de que  “metamorfoseou-se” e que seria praticamente irreversível voltar ao seu estado natural. Quando sua família percebe que Gregor já não é mais “humano” passa a encará-lo como um animal asqueroso e com isso, o desprezo e a exclusão da própria família (principalmente pelo pai) recaem por cima de Gregor.

Como Gregor está nessa situação animalesca, a família fica desesperada já que o filho mais velho se transformou em um inseto anormal e que agora viveria para sempre trancafiado em seu próprio mundo (seu quarto) onde a maior parte da estória se passa. Kafka também expõe as crises que essa família passaria economicamente, já que Samsa trabalhava e ajudava nos custos da casa os pais teriam que se “desdobrar” mais ainda para poder manter uma vida social relativamente melhor. Com a transformação, a irmã mais nova passa também a ajudar e até encontrou um emprego, contrariando a vontade de Gregor, já que ele queria que ela seguisse carreira de música. Gregor passa a ser isolado e reprimido pelo próprio pai, a mãe desesperada, já não tinha ideia do que fazer, e a irmã mais nova, ainda o acolhia (com receio) tentando, em vão, alimentá-lo. O problema e desconforto gerado pelo protagonista para a família se resolvem quando o inseto morre. A partir de uma abordagem sociológica, a sensação de alívio da família com a morte de Samsa faz questionar sobre como os interesses pautam a convivência. Como o peso carregado pelo pai, a mãe e a irmã mais nova, que
dependiam do dinheiro de Samsa para o próprio sustento, só acabam com o fim do inseto, cria-se a impressão de que ele só era bem visto quando garantia um retorno prático, quando não estava impossibilitado de trabalhar e repassava a própria remuneração a eles. No momento que não pode mais produzir renda, você se torna praticamente um inválido dentro de sua casa e com isso criando conflitos. Lembremos que o livro é escrito no inicio da década de 10, a Europa está se desenvolvendo com muita rapidez na área da indústria e de armamentos, ao mesmo tempo está sendo dividida para uma guerra mundial (1914-1918) e é claro que todos esses fatores, principalmente econômicos, influencia de uma maneira abrangente o mundo em que Kafka vivia e acabou contribuindo para sua obra.

Eu, como um leitor iniciante nas obras de Franz Kafka, recomendo com todo valor e gosto esse livro, para quem quiser conhecer este grande autor. Que pôde expor suas ideias de uma maneira melancólica, mas verdadeira sobre o seu mundo. O triste é perceber o quanto a impotência de Samsa perante ações que antes lhe eram rotineiras como sair da cama ou caminhar, faz uma alusão às fraquezas humanas diante de pressões sociais. Denuncia como a sociedade restringe o valor do ser humano ao que produz e às aparências.


KAFKA, Franz. A Metamorfose. São Paulo. Editora: L&PM 2006.

sábado, 3 de maio de 2014

Hobsbawn e o Bandido Social: Uma união estável diante da historiografia mundial.



A história pessoal de Hobsbawm ajuda a entender sua adesão ao marxismo. Nascido no ano da Revolução Russa, 1917, em Alexandria, no Egito, ele se mudou na infância para Viena, terra natal materna, onde perdeu ainda adolescente tanto a mãe quanto o pai, um fracassado negociante inglês que permitiu a ele ter desde cedo o passaporte britânico. Criado por parentes em Berlim na época em que Hitler ascendia ao poder, ele viu no comunismo uma contrapartida ao nazismo.

Da Alemanha, Hobsbawn seguiu para a Inglaterra. Durante a guerra, serviu numa unidade de sapadores quase que inteiramente formada por soldados de origem operária - e daí viria, mais que a simpatia, uma espécie de identificação com aquela que, segundo Marx, era a classe revolucionária. Ele estudou em Cambridge, e se filiou ao Partido Comunista, ao qual se aferraria por anos. Nem mesmo após a denúncia das atrocidades stalinistas feita por Nikita Khrushchov em 1956, quando diversos intelectuais romperam com o comunismo, ele deixou o partido.
Hobsbawm só desistiu de defender com unhas e dentes o sistema após a queda do Muro de Berlim, em 1989. “Eu não queria romper com a tradição que era a minha vida e com o que eu pensava quando me envolvi com ela. Ainda acho que era uma grande causa, a causa da emancipação da humanidade. Talvez nós tenhamos ido pelo caminho errado, talvez tenhamos montado o cavalo errado, mas você tem de permanecer na corrida, caso contrário, a vida não vale a pena ser vivida”, disse ele ao The New York Times, em 2003, em uma das poucas declarações em que admitia as falhas do comunismo – porém, sem dar o braço verdadeiramente a torcer.

Eric Hobsbawm, deixa em sua imensa produção bibliográfica um legado intelectual para o pensamento crítico contemporâneo. Desta herança sobressaem, dois livros nos quais explora o conceito de banditismo social: Rebeldes primitivos, estudo sobre as formas arcaicas dos movimentos sociais nos séculos XIX e XX (1959), onde dedica um capítulo ao assunto, e Bandidos (1969), onde o desenvolve inteiramente. Estas são suas obras de história social consideradas clássicas fora do âmbito da história econômica, na qual trabalhou mais aprofundado em sua vida. A interpretação de Hobsbawm sobre o banditismo social quebra com a tradição historiográfica que considera como mero malfeitor, um foragido, a todo participante em lutas armadas contra o poder instituído, situando em um primeiro plano, no campo da investigação histórica, movimentos sociais que os preconceitos ideológicos e sociais havia deixado ao anonimato dos arquivos policiais, às páginas sensacionalistas dos jornais, lendas, relatos e contos populares. É por isso que a crítica de Hobsbawm de que os bandidos e salteadores da estrada preocupam à polícia, mas também deveriam preocupar ao historiador, é completamente justa e compreensível.

Este autor conceitua o banditismo social como uma das formas mais primitivas de protesto social organizado e situa este fenômeno quase universalmente em condições rurais, quando o oprimido não alcançou consciência política, nem adquiriu métodos mais eficazes de agitação social. Esta forma de protesto social surge especificamente e se torna endêmica e epidêmica durante períodos de tensão e deslocamento, em épocas de escassezes anormais, como fome, seca e guerras, depois destes ou no momento em que as presas do dinâmico mundo moderno se encaixam nas comunidades estáticas para destruí-las e transformá-las. O banditismo social se apresenta como uma forma pré-política de resistência aos ricos, aos colonizadores estrangeiros, às forças que de uma forma ou de outra acabam com a ordem considerada tradicional, em condições extraordinariamente violentas, provocando notáveis mudanças em um espaço de tempo relativamente curto. O bandido social apresenta uma recusa individual a novas forças sociais que impõem um poder cuja autoridade não é de todo reconhecida ou sancionada pela sociedade que ajuda e protege ao bandido. A existência desta cooperação por parte de uma população é fundamental para diferenciá-lo do simples delinquente. E ao confrontar-se com os opressores – ainda que por meios criminais - o povo oprimido vê evidenciados seus desejos mais íntimos de rebeldia. Por isso, toma o papel ou é transformado no vingador ou defensor do povo. Estes símbolos da rebeldia popular são homens que geralmente se recusam a fazer o papel submisso que a sociedade impõe... os orgulhosos, os recalcitrantes, os rebeldes individuais. Sem dúvida, como toda rebelião individual, tem seus limites. É um protesto recatado e nada revolucionário. Protesto contra os excessos da opressão e a pobreza, não contra sua própria existência. O bandido social não planeja com suas ações a transformação do mundo, não é um revolucionário, apenas tenta, no melhor dos casos, pôr um limite ou reverter a violência dos dominadores. Seu papel não é acabar com o sistema que origina a opressão e exploração contra as quais se confronta, mas fazer com que fiquem limitadas dentro de valores tradicionais que a população que o protege, considera justos. Portanto, por sua ação e ideologia, o bandido social é um reformista: age dentro do marco institucional imposto por um sistema cuja existência não é posta em juízo. Por isto, afirma Hobsbawm, para converterem-se em defensores eficazes de seu povo, os bandidos teriam que deixar de sê-lo.

Correspondeu-me aplicar o conceito de banditismo social ao estudar a resistência dos mexicanos à conquista norte-americana dos territórios arrebatados do México em 1848 e o considerei de grande utilidade para explicar especialmente o período em que a Califórnia dá lugar à criação literária sobre bases reais do personagem conhecido como Joaquín Murieta, que reúne todos os rasgos do arquétipo de bandido social. Tiburcio Vázquez, que foi condenado pelos norte-americanos em 1875, viveu por mais de 20 anos roubando ao gringo e repartindo uma parte do produto de suas andanças entre os californianos, contando com o apoio e a admiração desta população. Se Joaquín Murieta e Tiburcio Vázquez alcançaram grande celebridade graças à literatura e até o cinema (transtornados no diluído personagem de El Zorro, que não luta contra os ianques), numerosos mexicanos seguiram seus passos durante o período que vai de 1850 a 1880, aproximadamente. No Novo México e Texas temos nessas mesmas épocas, bandidos sociais do tipo vingadores, como Sóstenes L’Archevêque, de mãe mexicana, que ante a morte de seu pai nas mãos dos norte-americanos, inicia uma sangrenta vendetta que, segundo Carey McWilliams o levou a contar 23 marcas de gringos em sua escopeta: duas marcas a mais que as encontradas na escopeta de Billy The Kid.

Com seus estudos sobre o banditismo e outras formas de resistência arcaica, Eric Hobsbawm ilumina a história esquecida do mundo dos insubmissos, que, não porque seu caminho fosse uma rua sem saída haveremos de negar-lhe o desejo de liberdade e de justiça que os impulsionava a conquistarem seu espaço na sociedade.






Referência: 

HOBSBAWN, Eric. Bandidos. Ed. Cia das Letras. São Paulo. 2009 




quinta-feira, 1 de maio de 2014

Crônica de Carlos Drummond de Andrade: "No Restaurante"

- Quero lasanha.

Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.

O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.

- Meu bem, venha cá.

- Quero lasanha.

- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.

- Não, já escolhi. Lasanha. Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:

- Vou querer lasanha.

- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.

- Gosto, mas quero lasanha.

- Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?

- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.

- Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?

- Você come camarão e eu como lasanha.

O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:

- Quero uma lasanha.

O pai corrigiu:

- Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.

 A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:

- Moço, tem lasanha?

- Perfeitamente, senhorita.

O pai, no contra-ataque:

- O senhor providenciou a fritada?

- Já, sim, doutor.

- De camarões bem grandes?

- Daqueles legais, doutor.

- Bem, então me vê um chinite, e pra ela... O que é que você quer, meu anjo?

- Uma lasanha.

- Traz um suco de laranja pra ela.

Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.

- Estava uma coisa, hem? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado. - Sábado que vem, a gente repete... Combinado?

- Agora a lasanha, não é, papai?

- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?

- Eu e você, tá?

- Meu amor, eu...

- Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.

O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Filme "Rastros de Ódio" (1956) de John Ford. Um clássico do gênero Western. Breve observação.


O Faroeste ou Farwest é um gênero cinematográfico que sempre optou por dualismos objetivando diferenciar a civilização e a selvageria através de modelos que cumprem funções bem estabelecidas no projeto civilizatório norte-americano. “Rastros de Ódio”, filme de John Ford de 1956, restabelece a tradição do faroeste revertendo esses princípios e consolida espaços simbólicos diferenciais a partir de motivos abstratos como o conflito, a fuga e a busca. Nessa nova configuração, o que se pensa dominante na verdade é dominado por um discurso velado.. Índios, cowboys, mestiços, mexicanos, se envolvem em instâncias em que, pensando estar cultivando um determinado discurso, na verdade projetam a fala do outro. Este ventriloquismo étnico é o que desloca as verdadeiras fronteiras simbólicas com que esses personagens se deparam, exibindo uma América que se identifica pela negatividade.

Enredo do filme:

Texas, 1868. Três anos após a “Guerra de Secessão”, a família de rancheiros divide suas experiências com seus vizinhos. Vivem a típica adaptatividade dos pioneiros, em uma terra seca e distante, com seus costumes cristãos de acordo com as possibilidades do território. Eis que um agente aparece, andando a cavalo. É Ethan Edwards, irmão de Aaron, patriarca que o recebe carinhosamente. Ethan lutou junto com confederados na guerra civil. Derrotado, desapareceu e andou vagando por três anos. Não se sabe qual foi seu paradeiro. Traz consigo ouro novo – dinheiro incerto que pode ter sido roubado de um banco – e muitas incógnitas. Suas maneiras são embrutecidas, rudes, agressivas. É um Cowboy, mas não um herói. Sua presença traz preocupação à casa. Seu afeto pelas crianças da família não impede que se instaure um clima de tensão, distorção, causando um certo desconforto entre os personagens envolvidos na trama.

“Rastros de Ódio”,esboça uma linha de história cultural que vai além dos simples referentes de identidade e diferença. Sua perquirição é por um tipo de modelo que ignore o passado (dissolvido na não-história do subalterno, que sempre foge) e busque no presente as características dos discursos que vão se substituindo de acordo com os valores diferenciais e vão ganhando nitidez. Provavelmente seja essa, a única representação possível para o norte-americano: o “descascar” de seu discurso hegemônico através das cicatrizes de sua ostentação, de seus entre-lugares existenciais, de suas localizações perdidas. Buscar os Estados Unidos através do que não existe mais, do que não pode mais ser contado, do que não tem voz, mas se manifesta como espectro (tal qual os espectros que Ethan deseja ver andando na terra) que sombreia – e conduz – ainda, as semânticas culturais. Ethan é a nação norte-americana buscando sua real-identidade com o Mundo. É um filme clássico onde lutas, discussões e intrigas estão à todo momento mostrando como os americanos colocam a "figura" antropológica do indígena nas suas telas de Hollywood e do mundo inteiro.